terça-feira, 19 de agosto de 2008

There will be hope...

Hoje eu tava saindo da faculdade e vi uma batida acontecer. Acidente leve, um celta encostou num fiesta. Engarrafou tudo. Fiquei parada no engarrafamento, com a paz da voz de Chico Buarque acariciando meus ouvidos, um ar condicionado jóia gelando meu nariz e a alegria do "tempo sobrando" pra passar a tarde toda ali observando coisas. Mas sim, beleza. Estava eu parada na paz de Jesus observando, quando descem dos carros 4 mulheres. Duas de cada carro. Duas se preocupavam em gritar uma com a outra, enquanto outras duas sacaram os respectivos celulares da bolsa pra ligar pra alguém - não sei se pra SET, pra registrar ocorrência, ou se pros maridos, pra pedir socorro. Acho que se estivessem ligando pra SET, bastava um celular, então creio que foram dar a notícia pros queridões. Enfim... as duas que estavam gritando se empenhavam em gritar mesmo, botando dedo uma na cara da outra, gesticulando diante das mossas recentemente feitas, provavelmente acusando a outra de ter causado os danos.

Minhas viagens mucho doidjas normalmente começam a partir de coisas bobocas como essa, o planeta inteiro sabe disso. E, dando continuidade a mais um dia de percurso de 12km entre pensamentos, buzinadas, músicas e cortadas pela direita, viajei na maionese dos carros em volta.
(pausa revoltada pra dizer que casais apaixonados de televisão me dão vontade de vomitar, não quero saber de casais apaixonados, será que a Globo não compreende isso?)
A cena dantesca das duas mulheres se apontando e gritando abriu precedentes pra minha imaginação. Precedentes pra imaginar que ali estavam 4 seres humanos que 10 minutos antes estavam camuflados dentro de seus carros, provavelmente planejando onde almoçar ou conversando sobre a vida. E que ali, naquele momento de fúria leonina, estavam mostrando pra outras pessoas o seu lado humano, o seu lado susceptível.

Parece sem sentido tudo isso, mas quando a gente anda de carro parece que esquece que dentro do carro que te cortou pela direita tem uma pessoa. Você não a xinga, você xinga o carro. É como se na rua a nossa representação fosse aquela tonelada de ferro sobre a qual estamos sentados. Eu sou um palio preto. Devo ser alvo de comentários do tipo "aquele palio preto me fechou", ou "aquele palio preto invadiu o sinal".

Dirigir em Salvador é uma coisa meio de Seleção Natural, e acho que até Darwin ficaria assustado - quando você sobrevive ao trecho barra-paralela (via iguatemi, óóóóbviooo) numa terça-feira às 18h, você é sem duvidas o top da direção defensiva - e está apto a TUDO. Leis de trânsito aqui não se aplicam, porque é cada um por si e ninguém por ninguém. Quando eu vejo pessoas que, ao invés de pegarem uma fila pra fazerem um retorno, preferem cortar todo mundo da fila pela direita e jogar o carro na frente dos outros pra retornar, quase choro... e me dou conta de que estou num meio em que "ri melhor quem ri DO último".

Maaaas... se há um momento besta no trânsito que me deixa feliz, completa, realizada, é quando eu vejo uma ambulância querendo passar. É lindo. Ela vem de lá de trás (lá ele) fazendo barulho, pedindo passagem, e eu fico até emocionada quando os carros se colaboram entre si pra que ela passe. Vão abrindo caminho uns pros outros, se ajeitando numa fila única, com o propósito de que aquela vida lá dentro daquela ambulância possa ser salva. Sério, tenho vontade de chorar. Porque é nessas horas que eu me dou conta de que cada toneladinha de ferro carrega, no mínimo, um coração dentro, por mais que esse coração no dia-a-dia seja um sacana que fura fila ou corta todo mundo.

Eu gosto mesmo é de busu. Adoro quando fico sem carro, só pra me divertir no 1052 da BTU (agora tem até tv!!!). Viaaaajo em dobro, porque são 46 passageiros sentados e mais uns 20 em pé pra olhar, sentir, perceber. Adoro o calor humano do busu (sério!!!), a forma como todos se ajudam lá dentro. Quando eu ia pra faculdade de ônibus (e era looonge, 1h30 de trajeto, lotaaaaaaado) via a capacidade de doação das pessoas com muito mais latência. Aquela coisa de "já que vc está em pé e eu sentada, posso segurar seu caderno?"... ou "sente aqui no meu lugar, minha senhora!"... me fazia acreditar na bondade do ser humano, na capacidade de SER PRO OUTRO do ser humano.

Acredito que isso englobe muito mais o fato de todos estarem num mesmo barco... um busu quente, desconfortável, cheio... e que por isso uns sentem as dores dos outros, na medida do possível e do momento. Ter um carro causa uma estratificação na coletividade do trânsito - muitas vezes quem tem um audi TT se acha superior ao cara do fusca, e quer passar por ele a todo custo, embora estejam os 2 no mesmo engarrafamento e na mesma situação. Não sei se me fiz entender, mas espero que sim.

Mas... ainda resta esperança. E a ambulância passando, os caminhos se abrindo pra ela, os corações que fazem esse caminho se abrir, tem pra mim (numa analogia barata) o mesmo valor e o mesmo significado simbólico da plantinha que Wall-e deu a Eva quando a Terra era só sucata: esperança.

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