domingo, 7 de junho de 2009

Dirigir é uma epopéia.



Vocês, pessoas que sabem, já se deram conta da magia enlouquecedora que é dirigir? Vocês se lembram do início, quando estavam aprendendo, como era difícil coordenar as tarefas? Eu lembro. Mas, pra quem não lembra, vou descrever.

Desengrena a marcha, liga o carro - senão ele pula, né mesmo? Pisa na embreagem e no freio, passa a primeira marcha, solta o freio de mão. Solta aos poucos a embreagem e tira o pé do freio pra começar a pisar devagar no acelerador. Coordena os movimentos, o carro ganha aceleração. Aumenta a rotação, passa a segunda marcha - e assim se sucede a medida em que a velocidade aumenta. Pra parar, pisa levemente no freio e pisa fundo na embreagem. Nesse ínterim, você precisa prestar atenção, porque o carro do seu lado está mudando de faixa e não está te vendo. Você pisa no freio, pisa na embreagem, reduz a marcha, buzina, olha pro retrovisor pra ver se há possibilidade de mudar de faixa sem colidir com ninguém - se houver, liga a seta e muda. Se não houver, decide se há tempo pra acelerar ou se é melhor reduzir. E enquanto tudo isso acontece, você ainda está prestando atenção no cara que está invadindo sua faixa. Daí você continua andando, aparece uma lombada - que normalmente surge do além, sem placas de sinalização em volta. Se você avistá-la a tempo, tem tempo apenas para analisar se é uma lombada na qual o seu carro passa em 1ª ou 2ª marcha, se precisa passar muito devagar pra não pegar na parte de baixo, se tem gente em volta querendo aproveitar a sua lentidão pra atravessar na frente dela. Daí você reduz, pisa no freio e na embreagem, diminui a marcha e passa lentamente, atento ao entorno e novamente no processo de alimentar o motor na proporção em que ele demanda. E isso tudo se dá em 10 segundos. De repente começa a chover. E além de tudo, você precisa prestar atenção à intensidade da chuva, pra regular seu limpador de acordo com ela. E agora, além do cara que está querendo mudar de faixa do seu lado, há também atenção aos pedestres na rua (que você não pode molhar, porque é uma bela sacanagem) e aos pontos de alagamento nos quais seu Palio 1.0 não passa com êxito. Some a isso a pista molhada, na qual os pneus derrapam, e os carros que jogam água em seu parabrisas (enquanto o cara tá querendo mudar de faixa!). Outro desafio é estacionar. Em menos de 10 segundos (com direção hidráulica - 30 segundos sem direção hidráulica) somos capazes de estacionar de ré ou de fazer uma baliza. E quanta coisa é necessária pra esses 10-30 segundos de estacionamento! Coordenar os pedais da embreagem e do freio, de modo a não bater nos carros ao redor, enquanto ao mesmo tempo coordenamos os espelhos (eu, pelo menos, não olho pra trás, só uso os espelhos) e calculamos milimetricamente os giros no volante. Cortar uma pista requer o melhor da física e da matemática: em milésimos de segundos temos que traçar um plano que envolve sincronizar os movimentos dos pés, observar os perigos do entorno e a velocidade média que precisaremos atingir para que o seu carro corresponda com a velocidade média dos carros que estão vindo perpendicularmente a você - porque o cara que quer mudar de faixa tá vindo de lá e você precisa pensar rápido! E enquanto lutamos com o nosso motor 1.0, temos que aumentar as marchas e girar o volante.

O êxtase de todo motorista é a decisão a tomar quando a colisão se mostra inevitável. Essa é a pior, porque o fato de não dar tempo pra calcular e planejar não a torna racional nem matemática, mas sim instintiva - e muitas vezes esse ato levado pelo instinto pode não dar certo. Posso atestar. Ano passado eu estava voltando 2h da manhã (horário em que sinais de trânsito são deliberada e permitidamente desrespeitados - desrespeito condicionado às reduções de velocidade) duma temakeria e, num cruzamento entre a Rua Amazonas e a Rua Bahia - em que há um sinal e que estava aberto para mim - reduzi e observei o entorno. Eu estava na Amazonas. A Hilux branca estava na Bahia. E não estava NADA reduzida... e não reduziu. E eu vi que ia bater. E, sem nem ter tempo pra pensar, acelerei toda a potência do meu 1.0 pra sair do caminho dela. Mas ainda assim bateu, levou a lateral direita do meu parachoque traseiro e uma parte embaixo da lanterna. E a Hilux, muito humana e provavelmente nada alcoolizada, foi embora... enquanto eu encostei na frente de um prédio pra me tremer e chorar. E tudo isso, eu juro, aconteceu em segundos. Pouquíssimos segundos.

E enquanto TUDO ISSO acontece, ainda trocamos de CD ou mudamos de musica no ipod/mp3 ligado no som do carro! Ou mudamos da Band News FM pra Rádio Metrópole. Atendemos celular, digitamos mensagens de texto, passamos brilho labial, cantamos, conversamos e batucamos!

Eu poderia passar a noite aqui narrando momentos, mas o fato, amigos, é que somos heróis anônimos! Olhem quanta coisa a gente consegue fazer sem perceber! Somos físicos, DJs, matemáticos, senhores do tempo, maquiadores, telefonistas, pessoas intelectuais, the flashes! Somos uma raça inigualável que conseguiu automatizar processos delicados e minimalistas! Somos deuses, somos magos, somos surpreendentes!

Isso tudo porque eu não mencionei a pior raça: os que estão na sua frente e não tem luz de freio.

2 comentários:

Juliana Correia disse...

adorei esse texto! vc sabe ne, que eu tive mais dificuldades do que qualquer ser humano, entao, me sinto mto heroica nesse momento!

vou indicar esse texto pra todos que estão aprendendo a dirigir, é elucidativo e encorajador..

um beijao

Lays disse...

zenti, me senti tão bem! realmente sou muito mais inteligente do que pensava ser! hahahhahha
;*