quinta-feira, 12 de março de 2009

Após milênios...

Ultimamente eu ando tendo vontade de escrever sobre tudo - mas não tenho foco pra escrever nada. Tenho vários posts iniciados aqui, posts cujas temáticas são as mais diversas, mas não consigo pegar o embalo pra dar continuidade a eles, porque sempre acho que está faltando algo. Isso pode ser um sintoma de ansiedade, preciso voltar a tomar meu ansiolítico. Enfim.

Mas eu vi algo hoje que me deixou chocada. No sentido mais literal da palavra. Sendo, como dizem, "juridicamente responsável", uma vez que eu quase fui processada por dar nome aos bois na internet, manterei o sigilo acerca de nomes e vocês concluem o que acharem melhor. Cheguei em casa e liguei a tv do meu quarto, que estava sintonizada em um determinado canal de tv que passa, ao meio dia, esses programas do mundo cão. Normalmente eu até gostava de assistir a esses programas, porque a forma como eles exploram a dor, a consternação e a miséria alheia e convertem isso em um sensacionalismo manipulador era algo que me deixava curiosa - apesar de discordar veementemente do ato. Já apresentei seminário sobre esse tipo de programa na faculdade, enfim. Era algo que, apesar de feio, vulgar e triste, me instigava.

Pra quem não perde tempo precioso de vida assistindo isso, ao contrário de mim, vou explicar brevemente do que se trata. Normalmente esses programas (tem muuito mais de 1, em mais de um canal inclusive) focam na miséria. Os casos mais leves tendem a contar com uma pobre mãe dona de casa grávida de trigêmeos que tem 10 filhos pra sustentar e recebe 100 reais por mês. Eles se aproveitam da vulnerabilidade, da história de vida e da necessidade dela, e colocam-na pra pedir, ao vivo, por alguma ajuda. Ok, ela pede. Mas, não obstante em fazê-la pedir, o apresentador normalmente fica tripudiando em cima do sofrimento da criatura, destacando (repetitivamente) os pontos enfáticos - "DEEEEZ FILHOS, TRIIIIGÊMEOS, CEEEEM REAIS" - e fazendo perguntas emocionalmente manipuladoras, do tipo "você está sofrendo não é? admita que não tem como ser feliz assim. essa vida é miserável, você merece mais. você queria uma vida melhor pros seus filhos?" ao que a mulher começa, obviamente, a chorar - e a dar a eles o ingrediente principal pra geração de comoção: música fúnebre de fundo e munição pra bombadear o telespectador de apelos e manifestações de revolta.

O que me deixa injuriada em relação a esse tipo de coisa é ver que o método de conquista apresentado e disseminado pelos programas é predominantemente o assistencialista, e todo sabe como eu sou radicalmente contra assistencialismos. Quem assiste esse tipo de coisa e não consegue, por características cognitivas ou educacionais, filtrar as informações, crê que pedir é a melhor forma de se conseguir - e assim vamos formando uma nação de dependentes, geração após geração. E tem tanta criança assistindo, meu Deus.

O fato é que hoje o que eu vi foi o fim dos tempos. A apelação sentimental aparentemente perdeu a graça. O ser humano se tornou imune à dor alheia, de modo que ver esse tipo de coisa na televisão não afeta mais ninguém. Insatisfeitos com isso, resolveram que tinham que apelar pro que realmente chocava: a morte. E danaram a mostrar imagens de pessoas assassinadas aqui em Salvador, com direito a todo tipo de closes cinematográficos e duradouros nos rostos desfigurados das vítimas - já em estado de decomposição - e nas marcas de tiro espalhadas pelos seus corpos. Eu juro, passei mal. Mal mesmo, meu estômago embrulhou, comecei a querer vomitar, não almocei, não foi bonito.

Fiquei imaginando a mãe de uma daquelas pessoas assistindo aquilo, fiquei imaginando quão absurdas eram aquelas imagens, porque elas representavam a verdadeira deterioração do respeito pelo outro. Isso pra mim é o divisor de águas que define que a integridade do ser humano deixou de ser um direito (do qual antes éramos facultados a usar ou não) e passou a ser um objeto imposto de exposição, um macaquinho de circo, um gerador de renda. Fiquei hoje decepcionada com o fato de que essas imagens vendem, dão ibope e que, acima de tudo, são mostradas num horário em que crianças estão assistindo.

Tô triste, tô decepcionada. Eu sei é que minha afilhada chegou da escola enquanto esse circo de horrores nublava meus olhos. E ela entrou no meu quarto, me deu um beijo e eu sem nem pensar desliguei a televisão. Porque, vejam só... ela tem 6 anos e não precisa crescer vendo isso.

Blé.

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